
No âmbito hospitalar, pacientes são assistidos nas várias modalidades terapêuticas, todas elas procurando reestabelecer o dano sofrido. Segurança do Paciente é um fator fundamental. Essas modalidades incluem, tratamentos clínicos, cirúrgicos, procedimentos vídeo endoscópicos, entre muitas outras. Dentre elas, a assistência nutricional é muito importante e inclui refeições cuidadosamente planejadas, fornecendo todos os ingredientes necessários para as mais diversas enfermidades/necessidades, portanto o sistema de serviços alimentícios dos hospitais é considerado um processo de produção muito complexo dentro do setor.
Nos EUA, um total de 101 casos cultura-confirmados e 540 epidemiologicamente ligados à Salmonella javiana foram detectados entre 26 de março de 2003 e 16 de junho de 2003, em funcionários do hospital, pacientes e visitantes. Funcionáriosassintomáticos que se alimentaram na cafeteria do hospital entre 30 de maio à 04 de junho de 2003 e não tinham sintomas de gastroenterite após 01 de maio, foram selecionados como sujeitos de controle. Os manipuladores de alimentos que trabalhavam, apresentaram sintomas de gastroenterite e, possivelmente contribuíram para a propagação do surto.
De julho de 2003 até o fim de outubro de 2004, 42 pacientes tornaram-se infectados por cepas de Leuconostoc mesenteroides subsp. mesenteroides (genótipo 1) em diferentes departamentos do Hospital Juan Canalejo no Noroeste da Espanha. Durante 2006, 6 pacientes internados, também em diferentes departamentos do foram infectados (genótipos 2-4). Nutrição Parenteral foi a fonte provável.
Na Áustria (2006), 7 pacientes e 14 funcionários foram infectados por Campylobacter jejuni e Campylobacter coli. A investigação da série de casos revelou que o consumo de pratos de aves domésticas preparadas na cozinha do hospital foi o único fator comum. Surtos de origem alimentar e esporádicos casos de Campylobacteriosis são frequentemente causados pelo consumo de aves domésticas mal cozidas ou produtos avícolas e pela contaminação cruzada na cozinha da carne de ave crua para outro alimento cru.
Em 2013, em Sydney, três pacientes em diferentes hospitais terciários, em dois distritos sanitários (LHD), apresentaram resultado positivo para listerosis (infecção bacteriana causada por Listeria monocytogenes).
Essa ocorrência incomum trouxe a preocupação imediata de que os casos pudessem estar ligados pelas refeições do hospital, porque os hospitais nesses LHDs compravam alimentos dos mesmos fornecedores. Ao identificar uma variedade rara e única de cepas de L. monocytogenes em todos os três pacientes, as técnicas laboratoriais usadas nessa investigação foram centrais para ligar os pacientes afetados com um item alimentar produzido pela mesma empresa.
A identificação de uma provável fonte de infecção e as medidas de controle implementadas rapidamente, possivelmente impediram outros casos. Esse conjunto de infecções destaca a necessidade de uma regulação vigilante e processos de aprovação para fornecedores de alimentos que atendem populações hospitalares.
Desafios
Hospitais são organizações complexas que representam um grande desafio para a segurança alimentar.
Quando comparadas com outras organizações que manipulam alimentos, se torna clara a necessidade de cuidado específico e controle devido:
1. Grande circulação de pessoas;
2. Pessoas externas à organização que entram continuamente (em contato com o paciente) sem nenhum controle sanitário;
3. Alimentos introduzidos no hospital pelos visitantes;
4. Pacientes são vulneráveis, portanto, eles também são uma fonte de contaminação, “amplamente disseminada”;
5. Alimentos são preparados em grande quantidade para a equipe assistencial, a equipe da organização e para os pacientes (até 6 vezes por dia);
6. Pacientes tem seu sistema imunológico (ao menos parcialmente) suprimidos e, assim sendo, com alta probabilidade de contração de doenças transmitidas pelos alimentos;
7. Falta de treinamento e conscientização (até mesmo de uma equipe competente) dos riscos colocados pelo alimento desde a aquisição, preparação e transporte até os pacientes e descarte de resíduos.
Os hospitais enfrentam outro desafio relacionado a segurança alimentar: ingestão inadequada de nutrientes nas dietas de diferentes pacientes de acordo com sua condição específica, e quão sério e até fatal, pode ser qualquer erro na preparação desses alimentos.
O negócio principal dos hospitais é curar pessoas, portanto, o tempo, pessoas e foco alocado à alguns aspectos muito importantes da segurança alimentar (por exemplo: a gestão de fornecedores) é muitas vezes esquecido.
Como os hospitais podem resolver esses problemas?
Em primeiro lugar, hospitais devem aumentar a consciência da importância da segurança alimentar na recuperação dos seus pacientes. Dessa forma, a segurança alimentar deve estar presente entre as prioridades, comunicação (declarações de missão, objetivos…) e treinamento.
Treinamento, é provavelmente o primeiro passo a ser tomado, com um recurso humano dedicado para gerenciar a segurança alimentar.
Não importa quão terceirizada a produção e distribuição de alimentos seja, um gerenciamento interno da segurança alimentar é crucial para mostrar o compromisso do hospital com o tema, ter um par de olhos focado nos assuntos de segurança alimentar e gerenciar a comunicação com fornecedores terceirizados. A complexidade da preparação e distribuição de alimentos está diretamente relacionada com a quantidade e variedade de alimentos.
Se levarmos em consideração as seis refeições servidas diariamente em um médio/grande hospital [1] com 300 leitos, podemos imaginar que facilmente cerca de 2000 refeições são servidas e distribuídas diariamente (pacientes e equipes auxiliares). Se acrescentarmos que normalmente mais de 12 dietas [2] podem ser servidas de acordo com as necessidades ou limitações dos pacientes, podemos então ter uma boa ideia do quão difícil seja manejar um sistema como esse. Essa complexidade pode ser particularmente desafiadora em relação a dois perigos significativos da segurança alimentar: controle do tempo/temperatura dos alimentos e evitar erros na entrega de dietas.
As várias refeições servidas diariamente implicam que os hospitais tenham um controle rigoroso no descongelamento tempo/temperatura, e também do local. A falta comum de espaço e equipamentos apropriados, juntamente com um planejamento inadequado, podem levar a procedimentos impróprios de descongelamento. Qualquer desvio das boas práticas de descongelamento deve ser bem validado.
Durante o processamento, o controle de tempo/temperatura também é crítico. Novamente, a quantidade e variedade de refeições implica em um rigoroso controle da manipulação do produto para garantir adequadamente a separação entre os alimentos crus e processados, e que o tempo gasto antes da distribuição ou processamento de temperatura é adequado para evitar o crescimento microbiológico ou a formação de toxinas.
Equipamentos bem dimensionados como fornos, tábuas de cortar, pias e equipamentos de exaustão de cozinha, também desempenham um papel importante para garantir condições adequadas de manipulação.Devido à quantidade de refeições e à distância entre os locais de preparação e pacientes, avaliar a temperatura [3] dos alimentos antes da distribuição é crucial não apenas para garantir que o alimento seja organolépticamente agradável ao paciente, mas também para que permaneça fora da “zona de perigo”: 5° C (40° F) a 60° C (140° F) [4]. Mais comumente o alimento é servido em bandejas pré-preparadas e transportada em carrinhos. Existem diversas opções de carrinhos disponíveis no mercado, desde aqueles onde a bandeja é transportada na temperatura ambiente, a caixas passivas desenvolvidas para manter as temperaturas quentes ou frias, ou até mesmo carrinhos que podem ser plugados para manter ambas temperaturas, quente ou fria. É claro que a escolha entre uma dessas opções não está sempre baseada somente na melhor solução para garantir a segurança alimentar, mas também no orçamento disponível.
Todas essas opções apresentam um outro risco, se por algum engano, o alimento entregue não for apropriado para o problema específico de cada paciente. Conversando com profissionais do setor, foram dados exemplos de pacientes que estavam em uma dieta líquida que receberam bandeja de dieta regular. Pela falta de conhecimento (e fome) o paciente começou a comer e quase engasgou!
Com a quantidade de refeições/variedade de dietas e também as pessoas envolvidas na preparação/entrega dos alimentos e cuidar dos pacientes, evitar erros é uma tarefa hercúlea. Uma opção para ajudar nisso pode ser o uso de bandejas codificadas por cores que poderiam ser facilmente combinadas com um bastão colorido próximo ao paciente pela pessoa que o entrega e também pelo paciente. Também permitiria que qualquer pessoa com conhecimento suficiente pudesse olhar para a bandeja e descobrir se algo está inadequado para aquela bandeja.
Que tal:
-Aumentar a conscientização de todos os hospitais quanto ao fato de que a alimentação (segurança) é inseparável de sua missão de curar pacientes. Não adianta fazer bons diagnósticos, prescrever a medicação correta ou ter uma cirurgia bem-sucedida se o paciente morrer de intoxicação alimentar.
-O exemplo do uso de bandejas coloridas é apenas uma possibilidade para reduzir erros, mas os hospitais também podem utilizar outras metodologias (tipicamente utilizadas na prática industrial) para estudar e otimizar caminhos e horários de distribuição de alimentos e para apoiar e persuadir o gerenciamento de qualquer decisão/investimento.
-Devido à especificidade dos hospitais, deve ser desenvolvido um guia geral paraa implementação da segurança alimentar (ou pelo menos um programa de pré-requisitos) que possa orientar os profissionais na implementação do HACCP.
É imperioso que todos os profissionais de saúde adotem a segurança alimentar como parte de sua missão, quebrando velhos paradigmas e apoiando melhores práticas cotidianas. Isso é crucial se eles querem não apenas garantir, mas também aumentar a saúde da população em geral.
Escrito em colaboração com:
Marcia Meyer – Gastronoma
Gostaria também de agradecer a contribuição de Adriana Vargas na redação do artigo.
[1] Classificação do tamanho do hospital, de acordo com o número de leitos varia dependendo do país, e até mesmo às vezes dentro de cada país dependendo se for uma área rural ou urbana. Para esse artigo, foi definido que um hospital pequeno possui < 150 leitos, um médio 150-300 e um grande > 300.
[2] Dietas típicas são: Regular, Macio, Pastoso, Líquido (completo), Líquido (claro), Baixo teor de gordura, Baixo teor de sódio, Baixo teor de proteína, Sem adição de sal, Diabético, Renal, Hepatopatia, Doença cardíaca.
[3] A utilizção de termômetros limpos e calibrados é provavelmente a principal ferramenta para garantir a segurança alimentar nas cozinhas.
[4] Entre essas temperaturas, bactérias crescem mais rapidamente, dobrando seu número em apenas 20 min (USDA – Departamento de Agricultura dos Estados Unidos)
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Muito interessante esse tema de Segurança dos alimentos em ambiente hospitalar, sem dúvida muitos desafios para superar. Parabéns pela matéria.
Olá Rosangela!
Obrigada!
Bjs